1) O intéprete
Toda vez que
escuto o timbre da voz de Milton Nascimento chego a ficar paralisado. Ouvi-lo é
garantia de conforto, é símbolo de pausa necessária para respirar tranquilamente
em tempos de relações tão líquidas. Cultivá-lo na “playlist” cotidiana é arte
sagrada. Não é à toa que Elis Regina
dizia que “Se Deus cantasse, seria com a voz de Milton”.
Nascido no
Rio, o cantor foi adotado por uma família mineira após a morte de sua mãe biológica.
O estado de Minas Gerais foi o terreno fértil da obra do cantor que na
adolescência “queimou a inscrição para o vestibular de economia e decidiu que a
música seria o seu futuro, essa era a única garantia. De lá para cá, conseguiu
não apenas viver da música, como viver a música na sua plenitude.”
Ano passado
realizei um sonhei de consumo: fui para o show da sua turnê “50 anos de voz nas
estradas” em Porto Alegre. Presenciei uma performance contida pelos poucos
movimentos no palco devido o seu estado de saúde. Mas essa situação não retirou
o brilho daquela noite marcada por arrepios (e algumas lágrimas). Anestesia
pura!
2)História da composição
Caçador de mim tornou-se conhecida do público em
1981, resultado da parceria entre Sergio Magrão e Luiz Carlos Sá. O primeiro
apresentou a melodia e o segundo escreveu a letra que teve como inspiração o
livro “O apanhador no campo de centeios” que conta a história de um jovem que é expulso da
escola por seu mau desempenho e no regresso para casa passa a refletir sobre
sua curta vida, decidindo procurar pessoas importantes para entender a confusão
que passa pela sua cabeça antes de uma conversa com seus pais. O que marcou o
compositor?: “O cara se
procurando e tentando achar a personalidade dele”, disse Luiz Carlos. Um parêntese curioso: O mesmo
livro que baseou a concepção desta música tão viva foi alvo de “inspiração”
para Mark Chapman assassinar John Lennon, em 1980. Teria sido o
personagem do livro – segundo ele – que inspirou-lhe a cometer o crime.
Sergio Magrão conta os bastidores de Caçador de
mim: Milton Nascimento conheceu a música na condição de produtor de um LP da
Banda 14 Bis. A paixão foi tão arrebatadora que decidiu não apenas gravar a
música, mas colocá-la como título do seu álbum. Ele ainda lembra a primeira vez
que escutou a música na voz do ícone: “Eu estava na arquibancada do palco. De
repente começou um solo e eu falei: 'Conheço
essa harmonia'. Ele virou para mim e começou a cantar, eu desabei. Comecei a
chorar. Eu estava com um amigo meu que falou ‘Cara, é a tua música!’. E ficou
lindíssima!”
O livro que inspirou a canção
3) A letra
Caçador de
Mim
Sérgio
Magrão e Luiz Carlos Sá
Por tanto
amor, por tanta emoção
A vida me
fez assim
Doce ou
atroz, manso ou feroz
Eu, caçador
de mim
Preso a
canções
Entregue a
paixões que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
longe do meu lugar
Eu, caçador
de mim
Nada a
temer
Senão o
correr da luta
Nada a
fazer
Senão
esquecer o medo
Abrir o
peito à força
Numa
procura
Fugir às
armadilhas da mata escura
Longe se
vai sonhando demais
Mas onde se
chega assim
Vou
descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador
de mim
4) Minha história com a música
“Vou me encontrar
longe do meu lugar” Há 7 anos deixei o aconchego do meu lar disposto a encarar
o desafio de buscar meu próprio caminho. Ao longo dos últimos anos segui os
sinais expressos na estrada. Hoje, cerca de 4 mil km me separam de casa. Nunca
deixei os medos dominarem minha mente. Conduzi bem todas as angústias primárias:
a distância da família, o fato de não conhecer ninguém no mundo novo. Fácil?
Não foi. Mas a impressão que tenho é de ter ancorado no porto certo. Estou
encontrando Thiago em Porto Alegre!
“Vou descobrir
o que me faz sentir”. Neste espaço firmei meus pés com uma vontade: descoberta
da felicidade. E para isso é preciso provar. Testar a vida! No cotidiano mais
simples ando encontrando respostas. Apresento um exemplo: nunca fui motivado
para aprender a cozinhar. Somente com 25 anos despertei para assumir o comando
do fogão. Hoje preparo meu almoço – ando experimentando os temperos que me
libertam da monotonia. Surpreendo-me ao ver rúcula e alface nos meus pratos –
elementos verdes antes impensáveis de serem colocados na dinâmica da minha
alimentação. O motivo? Ignorância, nunca tinha provado. Preferia manter o meu
preconceito!
Esta fase de
descobertas, permissões e quebras de conceitos provoca reflexões profundas – e uma
dose de boas risadas! Há 2 meses minha terapeuta questionou: “Você já pensou em
fazer teatro?” Eu ri, respondi que não tenho dom para exercer esta arte. Ela
retrucou: “Você já testou, já teve alguma experiência? Por que você não se
permite?” Aquela conversa mexeu comigo. Semanas depois entrei em uma pizzaria e
me deparei com um anúncio de uma oficina de teatro de rua. Meus olhos
brilharam! Resolvi enviar o meu currículo e dar a cara à tapa. Fui aceito! Meu
contato inicial com o universo lúdico do teatro foi uma experiência libertadora,
captei um desprendimento raro nos movimentos e olhares empreendidos. Minha
mente inquieta ganhou fôlego ao mergulhar neste colorido mar de possibilidades!
Nesta época de
lapidação, nada de relacionamento. Por ora, apertei o botão “Pause”. Acredito
que só poderei firmar compromisso quando acontecer um processo profundo de
tomada de consciência dos meus gostos, traumas, limitações e virtudes. Vejo que
é preciso preparar bem o terreno antes do plantio da semente para minimizar os
riscos de uma relação infrutífera. Optar por investir em alguma relação impulsiva
significa - hoje - infringir o meu estatuto. Questão de honestidade e franqueza.
É preciso investir muito nestas missões que estou abraçando: cozinha,
palco e coração. Mas, diante desta tela renovo mais uma vez um pacto comigo
mesmo: vou prosseguir aberto para experimentar as novas ações que estão movimentando
o meu ser. Continuo aqui. Eu, caçador de mim!
A forma que conduz as palavras se encaixam e torna o texto muito belo. Parabéns. Adorei ler.l
ResponderExcluirRealmente, são palavras que se encaixam como letras em um poema. Obrigada!
ResponderExcluirEu me identifiquei muito com a música...
ResponderExcluirEsta Música é a obra prima , melodia que mais parece uma música sacra barroca ( quem foi o aaaranjador da gravação ? ) e a letra é uma verdadeira viagem pela nossa essência humana .
ResponderExcluirE a voz de Milton Nascimento para emoldurar tudo como um artesão .
Maravilhoso !