sábado, 13 de julho de 2013

Caçador de Mim

 1) O intéprete

       Toda vez que escuto o timbre da voz de Milton Nascimento chego a ficar paralisado. Ouvi-lo é garantia de conforto, é símbolo de pausa necessária para respirar tranquilamente em tempos de relações tão líquidas. Cultivá-lo na “playlist” cotidiana é arte sagrada.  Não é à toa que Elis Regina dizia que “Se Deus cantasse, seria com a voz de Milton”.  
     Nascido no Rio, o cantor foi adotado por uma família mineira após a morte de sua mãe biológica. O estado de Minas Gerais foi o terreno fértil da obra do cantor que na adolescência “queimou a inscrição para o vestibular de economia e decidiu que a música seria o seu futuro, essa era a única garantia. De lá para cá, conseguiu não apenas viver da música, como viver a música na sua plenitude.”
         Ano passado realizei um sonhei de consumo: fui para o show da sua turnê “50 anos de voz nas estradas” em Porto Alegre. Presenciei uma performance contida pelos poucos movimentos no palco devido o seu estado de saúde. Mas essa situação não retirou o brilho daquela noite marcada por arrepios (e algumas lágrimas). Anestesia pura!

2)História da composição 

        Caçador de mim tornou-se conhecida do público em 1981, resultado da parceria entre Sergio Magrão e Luiz Carlos Sá. O primeiro apresentou a melodia e o segundo escreveu a letra que teve como inspiração o livro “O apanhador no campo de centeios” que conta a história de um jovem que é expulso da escola por seu mau desempenho e no regresso para casa passa a refletir sobre sua curta vida, decidindo procurar pessoas importantes para entender a confusão que passa pela sua cabeça antes de uma conversa com seus pais. O que marcou o compositor?:  “O cara se procurando e tentando achar a personalidade dele”, disse Luiz Carlos. Um parêntese curioso: O mesmo livro que baseou a concepção desta música tão viva foi alvo de “inspiração” para Mark Chapman assassinar John Lennon, em 1980. Teria sido o personagem do livro – segundo ele – que inspirou-lhe a cometer o crime.
      Sergio Magrão conta os bastidores de Caçador de mim: Milton Nascimento conheceu a música na condição de produtor de um LP da Banda 14 Bis. A paixão foi tão arrebatadora que decidiu não apenas gravar a música, mas colocá-la como título do seu álbum. Ele ainda lembra a primeira vez que escutou a música na voz do ícone: “Eu estava na arquibancada do palco. De repente começou um solo e eu falei: 'Conheço essa harmonia'. Ele virou para mim e começou a cantar, eu desabei. Comecei a chorar. Eu estava com um amigo meu que falou ‘Cara, é a tua música!’. E ficou lindíssima!”
                                                             O livro que inspirou a canção

3) A letra

Caçador de Mim
Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá
 
Por tanto amor, por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz, manso ou feroz
Eu, caçador de mim
Preso a canções
Entregue a paixões que nunca tiveram fim
Vou me encontrar longe do meu lugar
Eu, caçador de mim
Nada a temer
Senão o correr da luta
Nada a fazer
Senão esquecer o medo
Abrir o peito à força
Numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura
Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim

4) Minha história com a música

      “Vou me encontrar longe do meu lugar” Há 7 anos deixei o aconchego do meu lar disposto a encarar o desafio de buscar meu próprio caminho. Ao longo dos últimos anos segui os sinais expressos na estrada. Hoje, cerca de 4 mil km me separam de casa. Nunca deixei os medos dominarem minha mente. Conduzi bem todas as angústias primárias: a distância da família, o fato de não conhecer ninguém no mundo novo. Fácil? Não foi. Mas a impressão que tenho é de ter ancorado no porto certo. Estou encontrando Thiago em Porto Alegre!
        “Vou descobrir o que me faz sentir”. Neste espaço firmei meus pés com uma vontade: descoberta da felicidade. E para isso é preciso provar. Testar a vida! No cotidiano mais simples ando encontrando respostas. Apresento um exemplo: nunca fui motivado para aprender a cozinhar. Somente com 25 anos despertei para assumir o comando do fogão. Hoje preparo meu almoço – ando experimentando os temperos que me libertam da monotonia. Surpreendo-me ao ver rúcula e alface nos meus pratos – elementos verdes antes impensáveis de serem colocados na dinâmica da minha alimentação. O motivo? Ignorância, nunca tinha provado. Preferia manter o meu preconceito!
        Esta fase de descobertas, permissões e quebras de conceitos provoca reflexões profundas – e uma dose de boas risadas! Há 2 meses minha terapeuta questionou: “Você já pensou em fazer teatro?” Eu ri, respondi que não tenho dom para exercer esta arte. Ela retrucou: “Você já testou, já teve alguma experiência? Por que você não se permite?” Aquela conversa mexeu comigo. Semanas depois entrei em uma pizzaria e me deparei com um anúncio de uma oficina de teatro de rua. Meus olhos brilharam! Resolvi enviar o meu currículo e dar a cara à tapa. Fui aceito! Meu contato inicial com o universo lúdico do teatro foi uma experiência libertadora, captei um desprendimento raro nos movimentos e olhares empreendidos. Minha mente inquieta ganhou fôlego ao mergulhar neste colorido mar de possibilidades!
       Nesta época de lapidação, nada de relacionamento. Por ora, apertei o botão “Pause”. Acredito que só poderei firmar compromisso quando acontecer um processo profundo de tomada de consciência dos meus gostos, traumas, limitações e virtudes. Vejo que é preciso preparar bem o terreno antes do plantio da semente para minimizar os riscos de uma relação infrutífera. Optar por investir em alguma relação impulsiva significa - hoje - infringir o meu estatuto. Questão de honestidade e franqueza.
         É preciso investir muito nestas missões que estou abraçando: cozinha, palco e coração. Mas, diante desta tela renovo mais uma vez um pacto comigo mesmo: vou prosseguir aberto para experimentar as novas ações que estão movimentando o meu ser. Continuo aqui. Eu, caçador de mim!

5) Confira a música




4 comentários:

  1. A forma que conduz as palavras se encaixam e torna o texto muito belo. Parabéns. Adorei ler.l

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  2. Realmente, são palavras que se encaixam como letras em um poema. Obrigada!

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  3. Eu me identifiquei muito com a música...

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  4. Esta Música é a obra prima , melodia que mais parece uma música sacra barroca ( quem foi o aaaranjador da gravação ? ) e a letra é uma verdadeira viagem pela nossa essência humana .
    E a voz de Milton Nascimento para emoldurar tudo como um artesão .
    Maravilhoso !

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